Agosto é o mês de Obaluaiê: entre a cura e o renascimento nos terreiros do Brasil

Agosto é tempo de silêncio reverente nos terreiros de matriz africana. É nesse mês que se intensificam as homenagens a Obaluaiê, também chamado de Omolu ou Xapanã, divindade associada à cura, à terra, às doenças e à transformação espiritual. Conhecido como o "Rei da Terra", esse orixá carrega a simbologia da morte como renovação e é um dos mais respeitados cultuados no Candomblé e em outras vertentes afro-brasileiras.
Um orixá de poder e respeito
Com uma trajetória mítica marcada por feridas, exclusão e superação, Obaluaiê representa as provações humanas e o caminho de cura e elevação espiritual. Nas lendas iorubás, ele é abandonado por sua mãe Nanã e acolhido por Iemanjá, que cobre suas chagas com palhas para proteger sua dignidade. Desde então, ele é reverenciado com trajes de palha da costa e saudado com a expressão “Atotô, Obaluaiê!”, que pede silêncio diante de sua presença.
Celebrações durante o mês de agosto
Durante o mês de agosto, diversos terreiros brasileiros realizam ritos especiais, oferendas, cantos e banhos de pipoca, prática ritual conhecida como deburu, usada para limpeza espiritual e cura de enfermidades. A pipoca, que explode ao contato com o calor, simboliza as feridas do orixá que se transformam em bênçãos, ensinando que a dor pode dar lugar à vitalidade.
Em várias regiões do país, esse é o momento do Olubajé, cerimônia coletiva dedicada a Obaluaiê, na qual se compartilham alimentos sagrados entre os iniciados e o orixá, pedindo proteção e saúde.
As diferentes nações e o culto a Obaluaiê
Tradição Ketu (Nagô/Yorubá)
No Candomblé Ketu, Omolu e Obaluaiê são orixás distintos, porém com funções similares. Eles são associados a São Roque (Obaluaiê) e São Lázaro (Omolu) no sincretismo cristão. O Olubajé é o ritual central do mês, com comidas como pipoca, feijão preto, milho cozido, bolos e batata-doce, servidas em recipientes de barro ou folhas.
Tradição Jeje
Entre os adeptos da nação Jeje, o orixá é conhecido como Sapatá (ou Sakpatá), com mitos e liturgias de origem fon que destacam o controle sobre epidemias e doenças infecciosas. Os rituais têm elementos parecidos aos do Ketu, mas seguem vocabulários próprios e maior uso de elementos simbólicos do Dahomey.
Tradição Angola/Bantu
No Candomblé Angola, onde os deuses são chamados de inkices, os poderes associados a Obaluaiê se manifestam nos cultos a Kaviungo (ou Kavungo) e Nsumbu, divindades que regem a passagem entre a vida e a morte, a medicina ancestral e os mistérios da terra. Essa vertente prioriza o uso de folhas, raízes e elementos naturais no tratamento espiritual.
O Olubajé: banquete que cura
A cerimônia do Olubajé simboliza um verdadeiro banquete sagrado para o orixá. De caráter coletivo, reúne filhos e filhas de santo em torno de uma mesa montada com alimentos rituais preparados especialmente para agradar e honrar Obaluaiê. É um momento de oração, cânticos, partilha e entrega, em que cada item servido carrega um pedido de cura, proteção e equilíbrio.
Diferentemente de outros rituais, o Olubajé exclui a presença de Xangô — pois este se recusa a comer da comida de Obaluaiê, segundo os mitos —, o que reforça ainda mais a solenidade do evento.
Receita tradicional do Olubajé
Ingredientes:
- 2 xícaras de milho de pipoca
- 1 xícara de feijão preto cozido sem caldo
- 2 batatas-doces grandes cozidas
- 1 xícara de milho branco cozido
- 2 bolos de milho (tipo cuscuz ou broa, feitos sem fermento)
- Azeite de dendê (opcional, conforme a nação)
- Folhas de mamona ou bananeira para forrar os pratos (ou recipiente de barro)
Modo de preparo:
- Estoure a pipoca sem sal e sem óleo, de preferência em panela de barro ou ferro. Reserve.
- Em um prato forrado com folhas, disponha separadamente porções de pipoca, feijão preto, milho branco e as batatas-doces partidas.
- Acrescente pedaços do bolo de milho ao centro.
- Regue com azeite de dendê, se for costume da casa.
- Faça suas orações e ofereça a Obaluaiê, deixando o prato ao pé de sua imagem, palha ou ponto de força.
“Atotô, Obaluaiê! Que a terra acolha nossos pedidos e nos devolva em saúde, equilíbrio e sabedoria.”