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As religiões de matriz africana e sua contribuição vital frente à epidemia de sofrimento emocional da sociedade moderna

Lettiere 31/07/2025 Ações de Cuidado e Saúde Comunitária
As religiões de matriz africana e sua contribuição vital frente à epidemia de sofrimento emocional da sociedade moderna

No Brasil do século XXI, nunca se falou tanto em saúde mental — e nunca se sofreu tanto. A Organização Mundial da Saúde aponta o país como um dos líderes globais em casos de ansiedade, depressão e outras doenças emocionais. Em meio ao caos urbano, ao excesso de informações e à solidão mascarada pela hiperconexão digital, milhões de pessoas buscam respostas, equilíbrio e sentido. Curiosamente, muitos ainda ignoram que essas respostas estão vivas há séculos nos terreiros, nas folhas, nos cânticos e nos fundamentos das religiões de matriz africana.

Muito além do folclore ou da exotização que por tanto tempo marcou essas tradições, o culto aos orixás, inquices, voduns e encantados se apresenta hoje como um sistema espiritual e filosófico profundamente integrador, que une corpo, mente, espírito, ancestralidade e natureza em uma mesma vibração. E isso, num tempo de fragmentação, é revolucionário.

Enquanto o mundo moderno tenta tratar o sofrimento humano por meio de fórmulas individualistas e medicalizadas, as tradições afro-brasileiras oferecem cura comunitária. Não se trata apenas de rezas ou oferendas, mas de reencontros com o próprio axé, de rituais que devolvem ao indivíduo sua centralidade, que o religam à terra, ao tempo, às origens.

A base dessas tradições está no respeito ao ritmo da natureza e ao fluxo da existência, em oposição ao culto da produtividade extrema e da pressa que marcam a sociedade capitalista. Os rituais respeitam o tempo do corpo e da alma. As danças não são apenas expressão artística, mas instrumentos de liberação emocional e reconexão espiritual. A música, o transe e o silêncio se alternam como partes de um processo de cura que respeita a complexidade do ser.

Nos terreiros, o sofrimento não é tratado como fraqueza, mas como desequilíbrio que pode ser reequilibrado com acolhimento, cuidado coletivo, orientação espiritual e reintegração à ancestralidade. As folhas têm função sagrada. O toque do atabaque reorganiza as energias. O axé não é conceito abstrato — é força vital que circula, que se renova, que se fortalece no encontro com o outro.

Outro ponto fundamental é a cosmovisão africana que sustenta essas tradições. Nela, não existe separação entre o espiritual e o material. Cada gesto, cada escolha, cada palavra tem consequência. Assim, viver com ética, cuidar da comunidade, respeitar a natureza e ouvir os mais velhos são também formas de manter a saúde do espírito. E um espírito fortalecido é capaz de atravessar as dores do mundo com mais equilíbrio.

Diferente de uma fé punitiva, as religiões de matriz africana oferecem espiritualidade encarnada, vivida no cotidiano, onde a cura não depende de milagres externos, mas de um processo ativo de reconexão. Nesse sentido, a iniciação não é apenas um rito religioso, mas uma jornada de autoconhecimento e amadurecimento emocional.

Num momento em que muitas pessoas estão em busca de meditação, práticas integrativas, constelações familiares e espiritualidade decolonial, talvez esteja na hora de olhar para o que já está aqui há séculos, mas foi silenciado pelo racismo e pela intolerância: as religiões de matriz africana são não apenas guardiãs de um saber ancestral, mas fontes vivas de cura, escuta, acolhimento e reconexão com o que verdadeiramente importa.

Se o mundo adoece por excesso de ego, velocidade e desconexão, essas tradições nos ensinam a voltar à roda, ao tambor, ao tempo do corpo, à força dos ancestrais e ao equilíbrio entre o visível e o invisível. Mais do que religião, são caminhos de resistência, de pertencimento e de cura coletiva.

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